quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Das Vantagens de ser Bobo

texto de Clarisse Lispector

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir, tocar no mundo.
O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: - Estou fazendo, estou pensando.
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.
O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.
O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer.
Resultado: não funciona.
Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro.
Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto estar tranqüilo.
Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros.
Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: - Até tu, Brutus?
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu.
Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida.
Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás, não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.
É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca.
É que só o bobo é capaz de excesso de amor.
E só o amor faz o bobo.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Estou Tiririca da vida!

Publicado no caderno Poder do jornal Folha de S.Paulo, um texto de Hugo Possolo sobre a eleição de Tiririca.

Abaixo, a matéria na íntegra.

No futuro dirão que os brasileiros de hoje eram tão cruéis quanto os antepassados escravocratas, afinal não damos voz aos analfabetos. Aliás, é bom lembrar que somente alfabetizados podem dividir as classes em A, B, C, D, E...

Meu medo é que, no futuro hipotético, o exemplo seja o Tiririca. A vergonha do palhaço não é ser analfabeto, mas usar seu talento para arrastar votos no joguete embromador.

De cara, escrevi aqui nesta Folha que votaria nele, se ele NÃO fossecandidato. Aí seria um protesto.

As urnas eletrônicas tiraram o prazer de anular o voto escrevendo uma frase indignada ou um palavrão. A tecnologia domesticou a rebeldia. Tudo tão politicamente correto que tentaram calar até os humoristas.

Voto nulo sugere uma heresia. Mas foram expressivos no último pleito, chegando a 5,51% na votação para presidente. Por que ninguém fala deles? Quantos serão anulados no segundo turno? Podem ser tão decisivos quanto uma aliança com o PV.

Por que os letrados, oriundos da esquerda, que fizeram a democracia pós-ditadura ficam se engalfinhando por causa das alianças à direita do outro? Parece um reality show de picuinhas pessoais.

Pela porta do fanatismo passam todos os tipos de irracionalidades como preconceitos, desejo de calar o outro, investigações alopradas, boatos etc. E resolver a situação do país? Isso alfabetizados não se preocupam.

A imensa desigualdade social vira pó e a TV só mostra obras maquiadas.

A propaganda, aquela que oferece ideias, morreu. Vicejou a publicidade, a venda de produtos. Os marqueteiros nos vendem qualquer um de maneira tão surpreendente que talvez esses candidatos mal se reconheçam diante do espelho.

Eu, quando coloco um nariz vermelho, sei muito bem de que lado estou. Não engulo o coronelismo e o populismo que fazem deste país um curral, onde se ganha mais e mais dinheiro à custa da falta de educação dos miseráveis.

Não vou tripudiar sobre um analfabeto abestado, até por que ele não lerá esse artigo. E os que podem ler? Uma geração vem de universidades que nos dão o preconceito de caretas que tornaram Geyse Arruda uma celebridade da fazenda tropical. Nela ou em Brasília, os porcos de
Orwell, se tornaram, no poder, tão parecidos com os humanos que dão nojo.

Pode parecer piada, mas o Tiririca desonrou o ofício dos palhaços ao se tornar deputado. Eu queria que fosse apenas uma palhaçada, mas peço seriamente: senhores candidatos à Presidência, fixem-se na vontade real de que o nosso país seja de fato melhor, politicamente
alfabetizado.