domingo, 7 de março de 2010

O que é ser palhaço?


O que vem à cabeça de seu filho quando ele pensa em circo? Entre malabaristas, trapezistas e mágicos, o palhaço é um dos principais símbolos da arte circense. Para falar sobre essa figura tão especial, a Crescer entrevisou alguém com muita experiência: Roger Avanzi, que faz o papel de Picolino há 54 anos.

O pai de Roger foi o italiano Nerino Avanzi, dono do famoso Circo Nerino. A mãe foi a francesa de família tradicional circense, Armandine. "Eu comecei a trabalhar no circo nove meses antes de nascer", diz. Roger tinha 32 anos quando substituiu o pai no papel de palhaço principal. "Sou o Picolino II, meu pai foi o primeiro", diz. O Circo Nerino parou de funcionar em 1964, mas Roger continua atuando até hoje.


CRESCER: O que é ser palhaço?

PICOLINO: Eu sempre recito um poema que pode responder bem à sua pergunta: "Ser palhaço é saber disfarçar a própria dor. É saber esconder que também é sofredor, porque se o palhaço está sofrendo, ninguém deve perceber, pois o palhaço nem tem o direito de sofrer".

CRESCER: Qual é a importância do palhaço pro circo?

PICOLINO: Ele é o personagem principal. Podem existir muitos outros artistas, mas se não tiver um palhaço, o circo não serve. Ele é a alma do circo. E quando dizem que a nossa alegria é ver o circo pegar fogo, é de verdade - só que no bom sentido...O palhaço sempre quer ver a plateia animada.

CRESCER:Tudo no circo é muito lúdico para a criança. Mas o palhaço parece ser ainda mais encantador. Por quê?

PICOLINO: O palhaço é bonito, colorido, engraçado e gentil com a criança. E, ao contrário de muitos adultos, que não gostam de brincar, o palhaço gosta e se diverte com isso.

CRESCER: A relação do palhaço com a plateia mudou ao longo do tempo?

PICOLINO: O circo está sempre mudando, o palhaço também. Antigamente, o palhaço ficava só no picadeiro e não envolvia a plateia nas brincadeiras. Hoje, ele se comunica muito com o público, chama as pessoas para brincar no picadeiro e vai até elas na plateia.

CRESCER: Qual é a palhaçada de que as crianças mais gostam?

PICOLINO: Ah, isso é difícil dizer. Todo mundo gosta quando o palhaço cai. Eu fazia isso de propósito, para divertir as pessoas. Só que às vezes eu errava mesmo, e acabava me machucando. Mas valeu a pena!

CRESCER: Criança tem medo de palhaço ou isso é uma bobagem?

PICOLINO: As crianças têm gostos muito particulares. Eu me lembro de quando animava festas de aniversário e, muitas vezes, o próprio aniversariante ficava com medo de mim. Acho que é porque o palhaço é uma figura diferente e a criança pode se assustar. Mas, em algumas dessas ocasiões, aquela criança que não se aproximava no início logo entrava na brincadeira...

CRESCER: Você ainda trabalha como palhaço?

PICOLINO: Continuo trabalhando em circo apenas quando me convidam para fazer espetáculos especiais. Apesar de estar com 86 anos, ainda pinto a cara de Picolino! O que mais tenho feito são palestras para falar sobre o meu personagem. Eu tenho tanta coisa pra contar, que acabo fazendo uma salada!

CRESCER: E afinal, qual é o segredo para viver tantos anos e tão bem?

PICOLINO: Ser feliz! A felicidade me ajuda a viver bem. Tudo o que fiz, se tivesse que fazer de novo, faria com toda alegria e boa vontade! A vida de circo é maravilhosa

quarta-feira, 3 de março de 2010

Dizem que o povo gosta

Texto tirado do livro "O teatro como arte marcial", de Augusto Boal.

"É disso que o povo gosta!" - assim justificam os canais de televisão a qualidade execrável de muitos dos seus piores programas.
Fosse válido este argumento, estariam nossas escolas autorizadas a substituir as difíceis matemáticas, a última flor do Lácio e a filosofia kantiana por fáceis aulas práticas do sensual Kama Sutra, porque é disto que o povo gosta...
Nossos museus exibiriam, em lugar de obras-primas da pintura renascentista, as esculturais coelhinhas da Playboy, ao vivo, porque disto a máscula metade brasileira sempre foi ávida - disto o povo gosta, e com apetite!
Nossos hospitais, em vez de médicos e medicamentos, empregariam homens de terno e gravata operando histéricos descarregos, sacerdotes de variadas religiões eletrônicas, porque, infelizmente, as curas milagrosas são o refúgio de boa parte da nossa igênua população, que disto gosta ou isto teme: das televisivas bocas pastorais jorram labaredas do ameaçador diabo tridentino, rouco e fanho, exigindo o dízimo, em horário nobre!
Outro argumento, falaz como o primeiro, diz que a TV deve mostrar a crua realidade tal como é, sem grinaldas nem guirlandas. Para este efeito, proliferam policiais perseguindo bandidos em alta velocidade; casais acusando-se de caleidoscópicas infidelidades e promovendo físicas violências diante das ávidas câmeras; portadores de exóticas deformidades lamentando a sorte ingrata e o cruel destino. Realidades são: existem! Quem duvida? Realidades banais, vidas vazias, sem rumo, sem sal. É assim mesmo, dizem, é a vida como ela é...
Mas - cabe a pergunta - a vida de quem? Não existem outras vidas neste Brasil imenso? Seremos todos reles idiotas?
Neste últimos anos, no Brasil, seguindo a trilha de vários outros países do mundo, assistimos à proliferação do pior e mais nefasto dos programas que já surgiram nessa fábrica de vacuidades que é a TV: os reality-shows.
Neles, pessoas insossas - sem o menor interesse intelectual, sem que se destaquem artística, política ou socialmente, nem sequer pelas tatuagens impregnadas em seus ombros, costas, nádegas e cóccix - ficam encerradas em uma casa sem nada dizer ou fazer, nenhum objetivo a perseguir a não ser o de permanecer em cena o maior tempo possível atraindo a atenção dos camera-men, esperançosos de um close-up.
As telenovelas - mesmo de trama inverossímil e flácida, mesmo superficial e anódina - mostram relações humanas estruturadas segundo certos valores morais e políticos... mesmo discutíveis. Já os reality-shows, ao optarem pela ausência (aparente) de qualquer trama preconcebida, ao deixarem que tudo aconteça ao sabor do acaso, e pela total falta de lucidez de pensamento, nada oferecem a não ser o despropósito daquelas vidas psiquicamente vegetativas.
Vidas fragmentadas e míopes, sem metas em longo prazo, nas quais a maior preocupação ontológica dos personagens é abrir a geladeira e reclamar da falta de uma boa pizza; sua maior angústia, o telefone que não toca.
Essa fragmentação se assemelha ao cotidiano igualmente fragmentado da maioria dos telespectadores que são, assim, confortados em suas vidas despropositadas.
Qual o universo vocabular desses reality-shows? Talvez não alcance as básicas duzentas ou trezentas palavras usadas comumente na TV, mesmo se incluirmos artigos e pronomes, interjeições e nomes próprios, e as frequentes onomatopéias.
Que idéias inteligentes poderá gerar esse esquálido repertório léxico? Talvez somente uma: desliguem suas TVs.