segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Sobre o Clown e o teatro físico

por Gardi Hutter (numa "conversa de café" com Cristina Elias)

A linguagem física é uma forma de comunicação emocional. Quando se fala com o corpo, a mentira se torna quase impossível. O impacto do silêncio no público é profundo e imediato. A palavra, por sua vez, justamente por ser tão rápida e precisa, torna-se excludente. O movimento é uma linguagem universal. Não importa se uma pessoa é brasileira ou suiça. E é por isso que a minha personagem clown provoca reações tão semelhantes nas plateias mais diversas, em todo o mundo.

O "Clown" está enraizado num solo mais arcaico do que o do teatro clássico, circo ou cabaré. É uma figura trans-cultural e universal. Todas as civilizações acabaram por encontrar uma figura cômica responsável por segurar o "espelho" à frente delas: Arlequim, buffone, coringa, trickster...

O "cômico" traz em si o lado obscuro do ser-humano. Coloca em destaque a eterna busca da humanidade por sentir-se "civilizada". Mas a nossa natureza animal está sempre lá, escondida na camada mais superficial do fingimento.

Como Clown, eu sou ainda pior do que as pessoas... Todos nós temos defeitos e fraquezas, que passamos a vida a tentar esconder para não fazer "papel de palhaço". O "Clown" entrega-se completamente ao ridículo por livre e espontânea vontade. E, por isso, é LIVRE. Ele não tem medo de que os outros riam dele. Ele não tem medo de ser ridículo. Ele tem orgulho do seu próprio fracasso.

A linguagem física deve ser sempre "clara" e "simples". E isto é o mais difícil. Ser complicado é, em geral, fácil. A simplicidade exigeum processo lento e doloroso de fusão entre intuição e lógica analítica. O trágico deve atingir o seu nível mais extremo para que se transforme em cômico.

A risada é uma das formas mais ancestrais de "exorcismo". Trata-se de enfrentar medos e paixões - um mergulho na dor como forma de libertação. Não tem nada a ver com opressão ou ignorância. Rir sobre a morte é uma estratégia de sobrevivência. Todos sabemos que vamos morrer. Mas rir transforma este "monstro escondido embaixo da cama" num gatinho doméstico.

Às vezes, quando termino um show, escuto um coro de suspiros de alívio. Ao rir do palhaço, as pessoas estão na realidade a rir de si mesmas. E isto é libertador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário