sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O branco e o augusto

Quando digo o clown, penso no augusto. Com efeito, as duas figuras são o clown branco e o augusto. O primeiro é a elegância, a graça, a harmonia, a inteligência, a lucidez, que se propõem de forma moralista, como as situações ideais, únicas, as divindades indiscutíveis. Eis que em seguida surge o aspeto negativo da questão. Pois dessa forma o clown branco se converte em Mãe, Pai, Professor, Artista, o Belo, em suma, no que se deve fazer. Então o augusto, que devia sucumbir ao encanto dessas perfeições, se não fossem ostentadas com tanto rigor, se rebela. Vê as lantejoulas cintilantes, mas a vaidade com que são apresentadas as torna inalcançáveis. O augusto, que é a criança que faz sujeira em cima, se revolta ante tanta perfeição, se embebeda, rola no chão e na alma, numa rebeldia perpétua. Essa é a luta entre o orgulhoso culto da razão, onde o estético é proposto de forma despótica, e o instinto, a liberdade do instinto. O clown branco e o augusto são a professora e o menino, a mãe e o filho arteiro, e até se podia dizer que o anjo com a espada flamejante e o pecador. São, em suma, duas atitudes psicológicas do homem, o impulso para cima e o impulso para baixo, divididos, separados. O filme [I Clowns] termina com as duas figuras se encontrando e desaparecendo juntas. Por que comove essa situação? Porque as duas figuras encarnam um mito que está dentro de cada um de nós – a reconciliação dos opostos, a unidade do ser. A dose de dor que existe na guerra contínua entre o clown branco e o augusto não se deve às músicas nem a nada parecido, mas ao fato de presenciarmos a algo que se liga à nossa própria incapacidade de conciliar as duas figuras. Com efeito, quanto mais procures obrigar o augusto a tocar violino, mais dará soprinhos com o trombone. O clown branco ainda pretenderá que o augusto seja elegante. Mas quanto mais autoritária seja essa intenção, mais o outro se mostrará mal e desajeitado. É o apólogo de uma educação que procura pôr a vida em termos ideais e abstratos. Mas Lao Tsé dizia com acerto: Quando produzas um pensamento (= clown branco), te ri dele (=clown augusto).

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